Parte 1:
A pena de vidro
Em maio de 2017 levei um dos maiores chutes de minha vida.
Eu me achava o melhor homem do mundo.
Não tenho metáfora adequada para explicar como me senti, mas foi como
uma pena de vidro sendo jogada pela janela de um edifício de 48 andares, e com
a gravidade do planeta Júpiter me chamando para o solo.
Eu não percebi em que momento o arremesso começou; me parece que fui pena
arrancada ainda na trajetória da subida do prédio, lá pelo 28º andar, e levada
andares acima como um bibelô.
O fato de me identificar como uma pena de vidro talvez tenha a ver com
a minha formação emocional.
Ao longo da minha vida me pautei em tornar a vida das pessoas ao meu
redor a melhor possível. O primeiro de uma família de 4 filhos, por causa das
ocupações de meus pais, eu cuidei dos irmãos como “dono de casa” desde os 5
anos de idade. A meningite levou o caçula, antes do primeiro ano de idade dele,
mas as imagens da gente brincando em casa, em boa parte os 4 sozinhos, ainda
estão vívidas na minha memória. Tenho melancolia de imaginar que pessoa ele
teria se tornado. Tenho saudades.
Cresci tendo a extrema responsabilidade em cuidar para evitar que eu e meus
outros irmãos tivessem o mesmo destino precoce.
Como muito de vocês, não fui privilegiado com carinho dos pais, como
colo, afago, elogios... e muito pelo contrário, lembro das broncas, e das
surras que tomei. Uma delas, a mais injusta de todas (acusado do que não fiz),
tomei banho de vinagre e sal por dias para sarar as feridas nas costas.
Apesar dos percalços, acidentes leves e graves, violência injusta com o
assassinato de meu pai em 1981... conseguimos sobreviver, tanto minha mãe, eu,
quanto os outros 2 irmãos (depois uma outra irmã se juntou ao time de
sobreviventes, compondo a família).
Enfrentei a vida. Superei muita coisa. Constitui uma família. Dois
filhos.
Venci desafios.
Vindo de uma família de poucos estudos, consegui 2 certificados de cursos
profissionalizantes do ensino médio, e mais 5 diplomas de nível superior (entre
graduações e pós-graduações).
Estava no auge de minha realização pessoal. Mas era um bibelô, e não
tinha consciência.
Desorientado, surpreso e assustado no início da queda livre, olhei para
baixo e vi o chão de concreto me esperando; olhei de volta ao prédio, vi um
elevador panorâmico. Aquele rápido momento durou 100 dias.
Cair como uma pena de vidro em direção ao solo, sem ter em que me
agarrar, me afetou de uma maneira brutal. Foi como se nada do que conquistei
valesse a pena. A metáfora por pouco não se tornou uma realidade em Newton
Navarro.
(continua)