Angelus Novus
(Texto de Dilson Cunha)
Anos atrás foram publicadas fotografias em que soldados norte-americanos urinavam sobre cadáveres afegãos.
E o mundo parece não ter se chocado tanto quanto deveria. Quase ninguém nem se lembra mais. Afinal, nossos sentimentos são orquestrados.
Choramos o que se convenciona chorável.
Admiramos o que se convenciona admirável.
Reverenciamos o que se convenciona reverenciável.
Tanto nosso imediatismo quanto nossa leniência têm ponteiros e calendários. Têm suas sinopses e sinapses.
Ruanda aconteceu debaixo de nosso nariz. Mas Ruanda só nos afetou na caverna escuro-luminosa dos irmãos Lumière.
Nossas Auschwitz se tornam tragédias com muito retardo.
Choramos atrasados.
O mundo passa no retrovisor.
Nossa indignação, nossa libertação, nossa consciência... viraram opinião. Nossa catarse.
Por isso artistas e "profetas" são loucos. E como elogio desculpante os chamamos visionários. E nos cegueiramos.
Benditos os poetas malditos. Benditos Baudelaire, Rimbaud e Verlaine!
Ainda hoje somos crédulos dos deuses que ajudaram a desbancar.
Nosso historicismo - a história faz o homem e não o homem faz a história - nos mata!
Ah, os cadáveres afegãos!
Temos tantos outros.
Perdemos as mônadas.
Perdemos Demócrito, Bruno e Leibniz.
Perdemos substância, consistência e singularidade.
Perdemos Bispo do Rosário e Patativa do Assaré.
Alienando-nos de nós mesmos, perdemos o outro. E a felicidade vira nossa droga. Felicidade é a única droga ausente que vicia justamente pela ausência. A insaciabilidade é a alma do negócio.
Essa felicidade matou a tragédia grega em nós, a nobre consciência do herói que sabe que vai morrer.
Os cadáveres afegãos urinam sobre nossos corpos etéreos. Nós é que somos ficção. Um conto ligeiro...
Os corpos de Ruanda. As cabeças decapitadas no Maranhão. Nossas vítimas cotidianas. Nossos suicídios em massa. Urinam sobre nós.
A nona sinfonia de Dvorák!
O Bar noturno de Van Gogh!
A Guernica de Picasso!
O Godot de Beckett!
Sobre nós...
O Angelus novus de Klee não conseguiu despertar nossos mortos e juntar os fragmentos.
Inexorável é a força do progresso.
Perguntado por que pintara tanto a crucificação de Cristo ao longo da vida, Emeric Marcier respondeu que não sabia o porquê. "Só sei que essa cruz fala muito à minha alma", disse ele.
O problema é termos ganhado o mundo inteiro e urinado sobre cadáveres afegãos. Perdemos a alma!
É sobre nossos próprios cadáveres existenciais que urinamos.
Dilson Cunha
18/01/14
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Deixei comentário em seu blog que você não aprovou...
ResponderExcluirSem problemas, reproduzi o meu comentário em meu blog e citei o seu após publicação de crítica do pastor Newton Carpintero que cisma em defender seu 'sobrinho' que assassinou a menina Joanna Marcenal de cinco anos de idade de forma brutal e está indiciado por tortura continuada e homicídio triplamente qualificado...
Se você preferiu ficar com a versão do 'pastor' Newton Carpintero na contramão da sociedade inteira só nos resta lamentar...
Abraço,
JS