GAY BOM É GAY NO ARMÁRIO
A ética da 'santa hipocrisia'.
A ética da 'santa hipocrisia'.
by Dilson Cunha
Nessa cultura judaico-cristã, nossa moral é extremamente relativa. Convenientemente relativa e seletiva. Não é de hoje que a hipocrisia é a lâmina que nos nivela. Melhor que ser um pária assumido é fingir nossas virtudes. Mas isso só vale a partir de mim mesmo. A gente odeia nossos pecados nos outros.
Esse post é um exemplo disso. Ele elege o que deve ser o que chamaríamos de "moral gay". O apóstolo dessa moral é, ninguém mais, ninguém menos que - acreditem! - Clodovil! Sim, o Clô. Estranho, porque, até onde sei, o Clô nunca se assumiu gay. Estranho, não. Justificado!
Justificado?
Sim. Justificado. Porque gay bom é no armário, senão morto. A questão é que vão para o armário não somente os gays, mas toda a sociedade. Armário é um lugar cômodo onde nosso moralismo esconde nossa "roupa suja".
Esse post é um exemplo disso. Ele elege o que deve ser o que chamaríamos de "moral gay". O apóstolo dessa moral é, ninguém mais, ninguém menos que - acreditem! - Clodovil! Sim, o Clô. Estranho, porque, até onde sei, o Clô nunca se assumiu gay. Estranho, não. Justificado!
Justificado?
Sim. Justificado. Porque gay bom é no armário, senão morto. A questão é que vão para o armário não somente os gays, mas toda a sociedade. Armário é um lugar cômodo onde nosso moralismo esconde nossa "roupa suja".
Então, Clodovil, que viveu uma vida inteira em um armário de vidro, é "o cara", porque o que vale no reino da hipocrisia são nossas confissões. Somos "católicos" não praticantes. Somos "evangélicos" não praticantes. Somos "qualquer-coisa-boa-não-praticante". Mas, e daí? "Somos". Somos o que confessamos ainda que não confessemos o que de fato somos. Nosso confessionário também foi para o armário. Aliás, ele é o próprio armário.
Armário que, etimologicamente, é o lugar onde se guardavam armas. É lá que escondemos nossas munições.
Gay bom é gay hipócrita. Na hipocrisia, todo pecado é tolerado. A hipocrisia é a garantia de que nossa moral será respeitada. A reputação mascara nossa reputaria. Re-putados estando, reputados ficamos. A homossexualidade confessada não será tolerada. Por isso Clodovil está a um passo da canonização. Pois Clodovil, apesar de todas as evidências que dispensava confissões, posava de "gay não praticante".
Os adúlteros praticantes mas não confessantes ficaram horrorizados quando Jesus os chamara de "adúlteros". "Que coisa, não?" - devem ter pensado - "Como ele ousa dizer que somos o que recusamos confessar?"
Ficaram mais horrorizados ainda quando ele resolveu tratar uma adúltera praticante com uma ternura jamais dispensada aos não confessantes. Como perdoar algo tão flagrante?
Nossa religião deveria ter como prática o bem e como confissão nossos pecados. Mas ela é justamemte o contrário. Nossa prática é o pecado, e o bem, apenas nossa confissão e credo. É no credo que nos credenciamos ao posto de "bons mocinhos". E é nosso credo que credencia a nós, os bons, ao céu e a "eles", os maus, ao inferninho. Cruz, credo!
É por isso que os gays praticantes e ativistas perturbam tanto o sossego dos santos e, como as bruxas medievais, eles catalisam tanto ódio. "Nada contra os gays. Só contra serem praticantes confessados e ativistas". Bom mesmo era o Clô que nunca foi nem uma coisa nem outra.
Àquilo que não passa de um direito básico de querer existir se torna uma "exacerbação". Gayzismo, na fala dos homofóbicos praticantes, mas jamais confessantes. Sim, "esses gayzistas querem destruir a família tradicional!" Nao, não é o celibato - tanto o praticado como o não praticado - que pode destruir a família, não! Nem a proibição do uso de preservativos. Nem o adultério nos bastidores dos púlpitos. Não! São esses gayzistas sem coração.
Minha leitura dos evangelhos mostra um Cristo completamente diferente da grande maioria dos cristãos. Qualquer generalização é um erro, por isso não são todos, mas a grande maioria. Os evangelhos me mostram um Cristo 'marginal'. Que, por muito menos que a loucura 'cristã' de nossos dias, esmerilou a moral de ocasião dos religiosos. Sim, pôs em relevo suas idiotices, incoerências, moralismos, proselitismo, sectarismos etc. Nunca pensou em ética de grupo. Nada de "Nós" contra "Eles". Nunca fez uso da força para se fazer ouvido. Nunca se impressionou com os arroubos dos santarrões. Nunca cooptou o Estado em favor da imposição de sua "filosofia". Nunca usou sua família como exemplo, até porque afirmar ter sido ele fruto de uma gravidez do Espírito Santo não seria lá grande exemplo de família.
Não, minha família não depende dos gays, como nunca dependeu dos divorciados, dos poligâmicos, dos amasiados, dos celibatários ou dos mórmons. Nunca!
Quem inventou o 'cristão não praticante' foi o cristianismo, não Cristo. Por isso se vê tantos cristãos não-cristãos e tantos não-cristãos, cristãos. Por isso, o maior cristão do século XX não foi um cristão, mas um hindu: Mahatma Ghandi. Isso dói no ouvido de um cristão confessante, mas não de um praticante. Não doeu no ouvido de Bonhoeffer nem no ouvido de Luther King, ambos praticantes do que confessavam. A Angeline Jolie julgará alguns 'confessantes piedosos'. Os Médicos Sem Fronteiras também. Talvez digam: "Senhor, quando te vimos nu, faminto, refugiado e com ebola? Quando?"
Ao perdoar escandalosamente aquela prostituta, Jesus fez mais que perdoar uma prostituta. Ele fez uma equivalência dolorosa entre puristas e pecadores. Todos se perceberam desgraçadamente 'prostitutas' e hipócritas. Ninguém atirou a primeira pedra. Mas também ninguém a tirou do bolso. Foram embora com o brio ferido, mas não sem o brio. Foram eles e não os "pecadores" que o crucificaram.
É isso que explica como é possível a a alguém receitar amor ao próximo com tanto ódio na veia. É tudo discurso. É o "amor" não praticante, só confessante. Amor virou um credo doutrinário. A ortodoxia venceu a ortopraxia.
A fé cristã foi massivamente abraçada no mundo porque foi mal compreendida. Como observou Baudelaire, geralmente concordamos com aquilo que não compreendemos. Deixe claras suas implicações e você verá a debandada que vai acontecer. O evangelho é um tapa na cara desse cristianismo que aí está. É uma afronta. Mal compreendido fez-se imcompreendido por outros que não o compreenderam pelos motivos certos. Ou seja, recusaram-no por entenderem que aquilo a que chamam de evangelho é uma aberração humana. Essa incompreensão é compreensível.
O post em questão é intelectualmente desonesto, para dizer o mínimo. Evocar o cadavérico 'Clodovil do armário' como modelo de gay tolerável é reduzir o armário a criado-mudo.
Armário que, etimologicamente, é o lugar onde se guardavam armas. É lá que escondemos nossas munições.
Gay bom é gay hipócrita. Na hipocrisia, todo pecado é tolerado. A hipocrisia é a garantia de que nossa moral será respeitada. A reputação mascara nossa reputaria. Re-putados estando, reputados ficamos. A homossexualidade confessada não será tolerada. Por isso Clodovil está a um passo da canonização. Pois Clodovil, apesar de todas as evidências que dispensava confissões, posava de "gay não praticante".
Os adúlteros praticantes mas não confessantes ficaram horrorizados quando Jesus os chamara de "adúlteros". "Que coisa, não?" - devem ter pensado - "Como ele ousa dizer que somos o que recusamos confessar?"
Ficaram mais horrorizados ainda quando ele resolveu tratar uma adúltera praticante com uma ternura jamais dispensada aos não confessantes. Como perdoar algo tão flagrante?
Nossa religião deveria ter como prática o bem e como confissão nossos pecados. Mas ela é justamemte o contrário. Nossa prática é o pecado, e o bem, apenas nossa confissão e credo. É no credo que nos credenciamos ao posto de "bons mocinhos". E é nosso credo que credencia a nós, os bons, ao céu e a "eles", os maus, ao inferninho. Cruz, credo!
É por isso que os gays praticantes e ativistas perturbam tanto o sossego dos santos e, como as bruxas medievais, eles catalisam tanto ódio. "Nada contra os gays. Só contra serem praticantes confessados e ativistas". Bom mesmo era o Clô que nunca foi nem uma coisa nem outra.
Àquilo que não passa de um direito básico de querer existir se torna uma "exacerbação". Gayzismo, na fala dos homofóbicos praticantes, mas jamais confessantes. Sim, "esses gayzistas querem destruir a família tradicional!" Nao, não é o celibato - tanto o praticado como o não praticado - que pode destruir a família, não! Nem a proibição do uso de preservativos. Nem o adultério nos bastidores dos púlpitos. Não! São esses gayzistas sem coração.
Minha leitura dos evangelhos mostra um Cristo completamente diferente da grande maioria dos cristãos. Qualquer generalização é um erro, por isso não são todos, mas a grande maioria. Os evangelhos me mostram um Cristo 'marginal'. Que, por muito menos que a loucura 'cristã' de nossos dias, esmerilou a moral de ocasião dos religiosos. Sim, pôs em relevo suas idiotices, incoerências, moralismos, proselitismo, sectarismos etc. Nunca pensou em ética de grupo. Nada de "Nós" contra "Eles". Nunca fez uso da força para se fazer ouvido. Nunca se impressionou com os arroubos dos santarrões. Nunca cooptou o Estado em favor da imposição de sua "filosofia". Nunca usou sua família como exemplo, até porque afirmar ter sido ele fruto de uma gravidez do Espírito Santo não seria lá grande exemplo de família.
Não, minha família não depende dos gays, como nunca dependeu dos divorciados, dos poligâmicos, dos amasiados, dos celibatários ou dos mórmons. Nunca!
Quem inventou o 'cristão não praticante' foi o cristianismo, não Cristo. Por isso se vê tantos cristãos não-cristãos e tantos não-cristãos, cristãos. Por isso, o maior cristão do século XX não foi um cristão, mas um hindu: Mahatma Ghandi. Isso dói no ouvido de um cristão confessante, mas não de um praticante. Não doeu no ouvido de Bonhoeffer nem no ouvido de Luther King, ambos praticantes do que confessavam. A Angeline Jolie julgará alguns 'confessantes piedosos'. Os Médicos Sem Fronteiras também. Talvez digam: "Senhor, quando te vimos nu, faminto, refugiado e com ebola? Quando?"
Ao perdoar escandalosamente aquela prostituta, Jesus fez mais que perdoar uma prostituta. Ele fez uma equivalência dolorosa entre puristas e pecadores. Todos se perceberam desgraçadamente 'prostitutas' e hipócritas. Ninguém atirou a primeira pedra. Mas também ninguém a tirou do bolso. Foram embora com o brio ferido, mas não sem o brio. Foram eles e não os "pecadores" que o crucificaram.
É isso que explica como é possível a a alguém receitar amor ao próximo com tanto ódio na veia. É tudo discurso. É o "amor" não praticante, só confessante. Amor virou um credo doutrinário. A ortodoxia venceu a ortopraxia.
A fé cristã foi massivamente abraçada no mundo porque foi mal compreendida. Como observou Baudelaire, geralmente concordamos com aquilo que não compreendemos. Deixe claras suas implicações e você verá a debandada que vai acontecer. O evangelho é um tapa na cara desse cristianismo que aí está. É uma afronta. Mal compreendido fez-se imcompreendido por outros que não o compreenderam pelos motivos certos. Ou seja, recusaram-no por entenderem que aquilo a que chamam de evangelho é uma aberração humana. Essa incompreensão é compreensível.
O post em questão é intelectualmente desonesto, para dizer o mínimo. Evocar o cadavérico 'Clodovil do armário' como modelo de gay tolerável é reduzir o armário a criado-mudo.
Dilson Cunha*
13/09/14
13/09/14
* Dilson Cunha é arquiteto, casado com a engenheira Rosângela Diniz;
escreve textos contundentes sobre o cotidiano; participa do movimento Pacto pelo Brasil e da equipe que apresenta o programa Papo de Graça (www.vemevetv.com.br).
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