segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Copa (não) é nossa - Frei Betto

A Copa (não) é nossa

Autor: Frei Betto

Correio Braziliense - 25/11/2011

 


Escritor, autor de A arte de semear estrelas (Rocco), entre outros livros

Para bem funcionar, um país precisa de regras. Se carece de leis e de quem zele por elas, vale a anarquia. O Brasil possui mais leis que população. Em princípio, nenhuma delas pode contrariar a lei maior — a Constituição. Só em princípio. Na prática, e na Copa, a teoria é outra.

Diante do megaevento da bola, tudo se enrola. A legislação corre o risco de ser escanteada e, se acontecer, empresas associadas à Fifa ficarão isentas de pagar impostos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita o endividamento, será flexibilizada para facilitar as obras destinadas à Copa e às Olimpíadas. Como enfatiza o professor Carlos Vainer, especialista em planejamento urbano, um município poderá se endividar para construir um estádio. Não para efetuar obras de saneamento...

A Fifa é um cassino. Num cassino, muitos jogam, poucos ganham. Quem jamais perde é o dono da casa. Assim funciona a Fifa, que se interessa mais por lucro que por esporte. Por isso desembarcou no Brasil com a sua tropa de choque para obrigar o governo a esquecer leis e costumes.

A Fifa quer proibir, durante a Copa, a comercialização de qualquer produto num raio de 2km em torno dos estádios. Exceto mercadorias vendidas pelas empresas associadas a ela. Fica entendido: comércio local, portas fechadas. Camelôs e ambulantes,
polícia neles!

Abram alas à Fifa! Cerca de 170 mil pessoas serão removidas de suas moradias para que se construam os estádios. E quem garante que serão devidamente indenizadas?

A Fifa quer o povão longe da Copa. Ele que se contente em acompanhá-la pela tevê. Entrar nos estádios será privilégio da elite, dos estrangeiros e dos que tiverem cacife para comprar ingressos em mãos de cambistas. Aliás, boa parte dos ingressos será vendida antecipadamente na Europa.

A Fifa quer impedir o direito à meia-entrada. Estudantes e idosos, fora! E nada de entrar nos estádios com as empadas da vovó ou a merenda dietética recomendada por seu médico. Até água será proibido.

Todos serão revistados na entrada. Só uma empresa de fast-food poderá vender seus produtos nos estádios. E a proibição de bebidas alcoólicas nos campos, que vigora hoje no Brasil, será quebrada em prol da marca de uma cerveja made in USA.

Comenta o prestigioso jornal Le Monde Diplomatique: "A recepção de um megaevento esportivo como esse autoriza também megaviolação de direitos, megaendividamento público e megairregularidades".

A Fifa quer, simplesmente, suspender, durante a Copa, a vigência do Estatuto do Torcedor, do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor. Todas essas propostas ilegais estão contidas no Projeto de Lei nº 2.330/2011, que se encontra no Congresso. Caso não seja aprovado, o Planalto poderá efetivá-las via medidas provisórias.

Se você fizer uma camiseta com os dizeres "Copa 2014", cuidado. A Fifa já solicitou ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) o registro de mais de mil itens, entre os quais o numeral "2014".

(Não) durmam com um barulho deste: a Fifa quer instituir tribunais de exceção durante a Copa. Sanções relacionadas à venda de produtos, uso de ingressos e publicidade. No projeto de lei acima citado, o artigo 37 permite criar juizados especiais, varas, turmas e câmaras especializadas para causas vinculadas aos eventos. Uma Justiça paralela!

Na África do Sul, foram criados 56 Tribunais Especiais da Copa. O furto de uma máquina fotográfica mereceu 15 anos de prisão! E mais: se houver dano ou prejuízo à Fifa, a culpa e o ônus são da União. Ou seja, o Estado brasileiro passa a ser o fiador da entidade em seus negócios particulares.

É hora de as torcidas organizadas e de os movimentos sociais porem a bola no chão e chutarem em gol. Pressionar o Congresso e impedir a aprovação da lei que deixa a legislação brasileira no banco de reservas. Caso contrário, o torcedor brasileiro vai ter que se resignar a torcer pela tevê.

 

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