Isso porque a Medicina, com cada vez mais ramificações, vai como que selecionando para atenção especial as doenças que monetizam aos milhões e condenando os pacientes crônicos a tratamentos ambulatoriais e caseiros, como que esperando para dar a devida atenção somente após a manifestação das seqüelas (outras doenças mais graves) que fragilizam e subjugam o doente a qualquer apelo de salvação.
Não raro, no caso de várias desses males, os pacientes são tentados a utilizarem de simpatias, chás, rezas, correntes de oração... e a aderirem ao uso de experimentos que "deram certo" em um conhecido de um conhecido...
... na verdade, placebos e dopping, visto que mascaram o resultado de exames laboratoriais que permitiriam o correto monitoramento e intervenção.
Hoje tive a oportunidade de ler um artigo de um médico decente, que descreve sua percepção acerca desse tema, com o título "Diabetes: Alguém sabe mexer com isso?", que reproduzo logo abaixo.
Joserrí de Oliveira Lucena
Diabetes: Alguém sabe mexer com isso?
O
problema é que o diabetes, normalmente silencioso e traiçoeiro, seja o dos
jovens (diabetes tipo 1), ou o dos adultos e gordinhos (diabetes tipo 2),
quando não bem controlado, sempre traz alguma complicação futura: causa
cegueira, impotência sexual, infarto do coração, derrame, leva para a
hemodiálise ou obriga a amputar as pernas. Repito: quando não controlado !
Daí
pergunto-lhes: quem sabe tratar essa doença ?
No auge
dos meus quinze anos de Medicina, com especializações e pós-graduações,
frequentando todos os congressos possíveis da minha área, tão interligada a
essa doença, somente após ingressar num mestrado com enfoque em diabetes é que
pude perceber algo assustador junto com os meus colegas mestrandos: as
faculdades médicas praticamente nada ensinam sobre o diabetes ! Literalmente,
achamos que o conhecemos e vamos tratando os doentes “aos trancos e barrancos”.
Alguns
endocrinologistas talvez até saibam, porém, poucos são os que ainda têm tempo e
disposição para dar todas as informações, prescrever os remédios disponíveis e
explicá-los, fazer a checagem adequada dos exames obrigatórios, atender aos
inúmeros retornos necessários, envolver as famílias, etc.
É fato
que tratar essa complexa doença não se restringe apenas a prescrever um
comprimido ou uma dose de insulina, pedir ao paciente para não comer açúcar e
mandá-lo furar o dedo, de vez em quando, para medir o nível de glicose no
sangue.
Ensinar
a dieta correta, orientar sobre atividades físicas, cuidados com os pés
dormentes dos diabéticos, sobre o tratamento de ferimentos que custam a
cicatrizar, armazenamento e aplicação dos diversos tipos de insulinas, sobre os
controles diários de glicose no sangue, redução de peso, cuidados com a visão e
o coração, não é factível para médicos recebendo hoje, por exemplo, apenas 34
reais líquidos por consulta, isto no melhor convênio de saúde da cidade, com
vários retornos gratuitos, geralmente muito longos e cheios de dúvidas a sanar.
Também
não é segredo que, excetuando os endocrinologistas, é difícil encontrar algum
médico que tenha esses conhecimentos, de uma doença tão comum e tão interligada
a outras, tendo em vista que, na maioria das escolas de Medicina, não se
aprende nada, especialmente nessas mais recentes, que nem hospital-escola
oferecem para que os seus alunos aprendam alguma coisa prática, além dos
livros.
Assim,
lavando as mãos como Pilatos, empurramos a dura tarefa do manejo do diabetes para
as enfermeiras e nutricionistas dos postos de saúde ou, quando disponíveis, nos
gabamos por, pateticamente, entregar folhetinhos de orientações ao final das
consultas, sob os olhares desorientados dos clientes. É uma catástrofe !
Abnegadas,
a maior parte das enfermeiras cumpre com carinho este papel, que deveria ser
nosso. Entretanto, analisando criticamente o que é repassado, vê-se que elas
também, nem sempre, detêm as informações corretas, por falta de planos
institucionais de aprendizagem do diabetes, com cursos, palestras ou apostilas.
Muitas
acabam por aprender umas com as outras, às vezes multiplicando práticas
equivocadas, cujos médicos dos postos ignoram e os das clínicas particulares
nem sonham em tomar conhecimento.
Resta ao
diabético recorrer à internet, com os seus sites confusos e deturpados,
aprender com os colegas de doença ou, quando podem, pagar consultas
particulares caras, mais demoradas, com especialistas dispostos a gastar tempo
ensinando-lhes o ‘be-a-bá’ .
Na
prática, esta antiga negligência com essa doença tão perigosa, resulta em
pacientes seguindo dietas malucas e milagrosas, trocando medicamentos por
ervas, pós e “garrafadas”, uso errado das insulinas, quedas de glicose com
desmaios, falta de exames obrigatórios, abandonos de tratamento e, tristemente,
muitos deles já cheios de complicações graves.
A Santa
Casa de Belo Horizonte, através do seu internacionalmente reconhecido
ambulatório de diabetes, percebendo esta lacuna no sistema de saúde, aprovou no
CAPES o seu mestrado ‘stricto sensu’ em ‘Educação em Diabetes’, inédito na
América Latina, no intuito de dotar o país de multiplicadores do conhecimento
nesta patologia, reduzir gastos públicos com as complicações e ajudar a salvar
vidas.
Em
Itaúna, iniciaremos em breve, com a autorização da secretaria municipal de
saúde, junto aos diabéticos do bairro Padre Eustáquio, um projeto-piloto na
tentativa de avaliar um esquema simples de controle e ensino da doença, já que
o atual modelo, proposto pelo Estado de Minas Gerais, não tem tido o sucesso
almejado em todas as unidades implantadas.
A
Associação dos Diabéticos de Itaúna, brilhantemente criada há anos pelo
ex-vereador Orlando Rodrigues, ainda com funcionamento tímido, nas dependências
da exemplar Igreja Batista Central de Itaúna, será outro futuro alvo da nossa
empreitada.
Nela
pretendemos organizar um plano contínuo de palestras e oficinas gratuitas,
abertas a todos os diabéticos da região, buscando a participação voluntária de
endocrinologistas (duas novas e excelentes já estão vindo para a cidade),
educador físico, enfermeiro, nutricionista, alunos da faculdade de Medicina de
Itaúna, um laboratório farmacêutico especializado em diabetes e da secretaria
municipal de saúde, para dotar a cidade de um dos poucos centros públicos
mineiros de real controle dessa doença.
Nove mil
pessoas e suas famílias nos aguardam.
Que Deus
nos ilumine !
Dr
Alessandro Bao Travizani
Fonte: notícias de Itaúna