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Cledna Maria Pereira, ASG, clama por uma menor desigualdade salarial. |
Enquanto um terço do povo brasileiro sobrevive com apenas um salário mínimo, no valor atual de R$ 622,00 do outro lado da moeda existem os "tubarões", que recebem os chamados supersalários. Com a divulgação das remunerações de parte das autarquias públicas do Executivo e do Judiciário do Rio Grande do Norte veio à tona numericamente o abismo social que divide a população.
O salário médio do trabalhador brasileiro fechou o ano passado em R$ 1.650,00, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Alguns privilegiados ganharam, somente no mês de junho, quantias quase 100 vezes maiores do que essa média. Dos salários divulgados de funcionários públicos lotados no Rio Grande do Norte referentes ao mês de junho, os maiores se concentram no Tribunal Regional do Trabalho (TRT).
A folha do TRT fechou em torno de R$ 19 milhões. Teve magistrado que chegou a receber, excepcionalmente em junho, mais de R$ 150 mil líquidos. Mas também existem ténicos ganhandomais do que um juiz. Para chegar a acumular esse valor, um trabalhador comum que recebe R$ 575,00 líquidos por mês, tem que trabalhar mais de 20 anos sem gastar nenhum centavo durante esse período.
A Constituição Federal diz que nenhum servidor público pode ganhar acima do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que é de R$ 26,7 mil. Esse é o chamado teto constitucional. No entanto, existem pagamentos em quase todas as listas de órgãos públicos divulgadas até este sábado que, na prática, extrapolam esse valor.
A justificativa dada pelos órgãos é de que os valores acima do teto correspondem às vantagens pessoais, eventuais ou pagamentos decorrentes de decisões judiciais relativas a dívidas passadas. Esses itens não são incluídos pelos entes públicos para a verificação do teto.
Enquanto aqueles que possuem os salários privilegiados têm condições de luxar, com carros importados, uísques caros e viagens para o exterior, a maioria dos trabalhadores precisa fazer "milagre" para sobreviver. O abismo social é profundo até mesmo entre os próprios servidores.
"Essa diferença tão grande não é justa", diz comerciária
Fora do serviço público, a realidade também é bem diferente da folha salarial do topo da magistratura revelado nesta semana. A publicidade dos salários provocou indignação dos trabalhadores, pela diferença entre a realidade dos privilegiados e os cidadãos "comuns". É caso da comerciária Nayane Santos de Melo, de apenas 22 anos. Casada e mãe de um filho, ela precisa contar os centavos para fazer seu dinheiro render.
Nayane disse, com os descontos, recebe mensalmente R$ 575,00 líquidos, valor que só dá para pagar à babá do seu filho, água e luz da sua casa. "A sorte é que meu marido trabalha e ganha um pouco mais do que eu. Assim, conseguimos sobreviver. Mas a realidade é bem difícil. Quando pagamos as contas, eu e meu marido juntamos os trocados que sobram para pagar as despesas extras", contou.
Ao saber que existem funcionários públicos que chegam a receber mais de R$ 100 mil em apenas um mês, ela mostrou insatisfação. "É um absurdo. O que vemos é trabalhador que passa o dia inteiro ralando receber um salário que mal dar para ele sobreviver. Enquanto isso, muitas vezes pessoas que mal dão expediente ganham salários imensos. Isso não é justo", opinou.
Professora diz que salário baixo não valoriza a educação
Profissional responsável por formar os cidadãos brasileiros, o professor entra num lugar nada confortável, nessa cadeia social. Com um salário bruto na média de R$ 1.300,00 no ensino público, em Natal, os professores receberam em junho mais de 100 vezes menos do que grande parte dos que têm supersalários. Mesmo tendo curso superior e com uma profissão vital para o desenvolvimento da sociedade, a carreira de professor é uma das menos atrativas economicamente.
A professora Marilanes França de Souza, 59, trabalha na educação municipal há 23 anos, dando aula nas séries do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, na Escola Chico Santeiro, no Bairro Nordeste. Na sua avaliação, a disparidade social entre os professores e outros profissionais, é uma prova de que a educação não é valorizada. "A valorização da educação passa pela valorização do professor", declarou.
Para Marilanes, a falta de atrativos da carreira de professor faz muitos bons profissionais abandonarem a profissão. "Essa desigualdade social entre o professor e outras profissões mostra o quanto não existe preocupação na formação dos brasileiros. Deveria haver uma mudança neste sentido", diz.
" Muitos bons profissionais até se interessam pela área, mas acabam mudando de rumo pelos péssimos salários e as más condições de trabalho", apontou a educadora.
ASG pede olhar do poder público sobre os mais carentes
Se de um lado da folha salarial do poder público há os abastados, do outro existem os que sobrevivem com o mínimo. Essa é a realidade vivenciada pela Assistente de Serviços Gerais (ASG) Cledna Maria Pereira, 40, lotada no quadro de efetivos do governo do estado há 26 anos. Com uma remuneração líquida média de R$ 600,00 mensais, ela precisou "fazer milagre" para criar sozinha seus três filhos, que hoje estão com 22, 20 e 19 anos.
A dificuldade sempre fez parte da vida de Cledna. Cada centavo sempre foi ganhado com muito suor. Ela acorda diariamente às 4h30 da madrugada para fazer os serviços domésticos e, em seguida, ir para o batente. Ela é ASG na Escola Estadual 11 de Agosto, localizada no município de Umarizal. Na Escola, faz a limpeza e a merenda escolar.
Após sair do expediente, ao meio dia, a ASG precisa fazer bicos para complementar a renda. "Tenho muita dificuldade para pagar minhas contas e sobreviver com tão pouco. Uma forma de superar isso foi fazendo diárias em outros lugares. Quando saio do trabalho, faço bico de diarista para completar a renda. Ganho cerca de R$ 500,00 com esses serviços", contou.
Com Plano de Cargos e Salários para sua categoria implantado em lei, mas nunca pago, Cledna reclama da diferença não só no salário, mas no atendimento dos pleitos, entre os mais humildes e os tubarões da folha salarial do poder público. "Gostaria que os governantes e a Justiça pelo menos olhassem pelos nossos direitos. Mas, o que vemos é o favorecimento sempre somente dos que já ganham muito", reclamou.
Aumento para judiciário provoca efeito cascata
Se não bastasse a diferença existente entre o alto e o baixo clero da folha salarial do poder público estadual, a decisão do governo do estado de conceder aumento aos juízes, enquanto afirma que não pode pagar os planos de cargos, carreira e salários dos servidores provocou revolta dos trabalhadores. A governadora Rosalba Ciarlini (DEM) sancionou, no último dia 3 de julho, lei que define o reescalonamento dos salários de juízes e promotores estaduais. O projeto de lei foi aprovado pelos deputados no dia 13 de junho e, com a promulgação, começará a ser implantado em setembro.
A sanção veio no momento em que diversas categorias travam uma batalha com o governo do estado por melhorias salariais e não obtêm êxito nas negociações com a chefe do Executivo. No entanto, o argumento do Judiciário é de que há recursos já previstos no orçamento do Tribunal de Justiça para bancar o reescalonamento, adotado na maioria dos estados brasileiros.
O reescalonamento altera de 10% para 5% a diferença salarial entre os níveis dacarreira dos magistrados e integrantes do Ministério Público. O teto salarial hoje é o dos desembargadores e procuradores, que recebem R$ 24.117,64. Começa em setembro deste ano com os juízes de 3ª entrância e segue em março de 2013 para os juízes de 2ª entrância; março de 2014 para os de 1ª entrância; e março de 2015 para os juízes substitutos.
O impacto financeiro para cada instituição, ao final da implantação, será de aproximadamente R$ 15 milhões/ano. A aprovação da lei na Assembleia Legislativa já gerou o "efeito cascata" e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) entrou com pedido de revisão dos contracheques dos auditores da instituição, uma vez que há uma equivalência salarial em lei entre o que recebe um magistrado de entrância superior e os auditores do TCE.
Presidente da Amarn defende valorização da magistratura
Ao comentar as remunerações de juízes e desembargadores acima do teto de R$ 26,7 mil, a presidente da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte (Amarn), juíza Hadja Rayanne Holanda de Alencar, afirmou que os pagamentos feitos aos desembargadores acima do teto são constitucionais. "Os pagamentos dos magistrados são estabelecidos por lei. Seguem uma escala. Não há pagamento inconstitucional", enfatizou.
De acordo com a magistrada, os valores pagos em folha equivalentes ao 13º salário, às férias e ao pagamento de dívidas em atraso são excluídos do cálculo estabelecido para o teto constitucional. "Esses valores não são incorporados aos salários. São pagamentos eventuais. Por isso, percebe-se essa mudança na folha. Mas, a remuneração real dos juízes e desembargadores está de acordo com o teto estabelecido pela Constituição", reforçou.
Questionada sobre a disparidade entre os salários pagos aos juízes e o que ganha a maioria da população brasileira, a juíza reconheceu a desigualdade. No entanto, defendeu avalorização social da magistratura. "A desigualdade social no Brasil é imensa. Mas, não é um problema gerado pelo judiciário. É da conjuntura brasileira. A carreira da magistratura precisa ser valorizada, para que seja atraente. Somente com uma carreira atraente, a magistratura atrairá os melhores e cumprirá seu papel na democracia", ponderou.
Em relação aos pagamentos decorrentes de decisão judicial, a juíza avaliou que, nos casos de as decisões serem referentes a atrasados que o servidor tenha direito a receber, o pagamento é legal. "Se houver alguma distorção, o caso precisa ser analisado. Mas, a informação da fonte oficial que tenho do TJRN é que não há", reiterou.