Satanismo Teocrático
Postado por Eduardo Varandas Araruna em 12/10/10 as 09:30
“Ressuscitei em um mundo de loucos”.
Fidel Castro
Sempre tive medo dos países que adotam a teocracia como regime de governo. Isso porque a religião, qualquer que seja ela, se levada às últimas consequências descamba no fanatismo, na mutilação de direitos humanos e na manipulação das massas.
A Constituição brasileira prega que o Estado é laico. Isto significa que nenhum sentimento religioso deve ser confundido com o Poder Público e que todas as formas de expressão de fé hão de ser protegidas e asseguradas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Pois bem! Pensei que, com mais de 20 anos do tal festejado Estado Democrático de Direito, esses primados da nossa República, tão comezinhos, fossem bem conhecidos de todos. Não são!
Recebi, na minha caixa postal, alguns “e-mails” disparatados e repugnantes injuriando a candidata do PT à presidência da República, Dilma Rousseff , e o candidato do PSB ao governo do Estado, Ricardo Coutinho.
O primeiro dizia que Dilma tinha sua morte para breve e que seu vice teria feito um pacto com o demônio, tal qual a lenda alemã de Fausto. Questionavam a posição da candidata pretensamente em favor do aborto como se fosse uma emissária da morte. Doutra banda, o outro “e-mail” mostrava a foto do representante dos girassóis sentando à mesa com líderes de umbanda e narrava que a Paraíba estava sendo entregue às trevas.
Quanto à Dilma, a campanha difamatória que ela tem sido vítima é vil, medíocre e rasteira. Utilizar-se de sub-argumentos para demonizar uma mulher que manifesta suas ideias com segurança, base e consistência de quem já participou da administração do Brasil é no mínimo mau-caratismo político. Sou ferrenhamente contra o aborto, mas não acho que uma posição pessoal de uma autoridade possa demonstrar sua improbidade ou inaptidão para o exercício do múnus de comandar o Brasil, mesmo porque não estamos num regime autoritário e, ao lado do Poder Executivo, existem o judiciário e legislativo que não estão obrigados a ratificar os atos do Presidente da República.
No segundo “e-mail”, fantástica e maledicentemente pormenorizado, havia a afirmação de implantação de seis portais demoníacos em João Pessoa, citando os monumentos a Ariano Suassuna (Parque Solon de Lucena), Porteiro do Inferno (em frente ao Campus federal), dentre outros.
Primeiramente, um candidato a governador, independentemente do seu credo, tem que saber dialogar com todas as religiões, sem preconceito e sem discriminação. O fato de o candidato sentar-se à mesa com babalorixás e ialorixás não significa nada além da mentalidade aberta para ouvir os clamores de um segmento do povo para o qual pretende governar (isso se a foto não for uma montagem). Depois, lembrem os cristão xiitas de que o respeito é uma forma de amor, e amar ao próximo, independentemente do seu credo, não é uma faculdade, é uma ordenança divina.
Assim, não confundamos arte com teologia e política. A escultura metálica “Porteiro do Inferno” não foi concebido na gestão de Ricardo Coutinho. A criação pertence ao artista plástico Jackson Ribeiro e remonta ao final da década de 60; representa Cérbero, um cão de múltiplas cabeças e cobras ao redor do pescoço que guardava a entrada do Hades, o reino subterrâneo dos mortos. Isso em nada se comunica com a Bíblia e com Lúcifer, o demônio cristão, não justificando o preconceito ignorante da igreja evangélica que o retirou da Beira-rio e dos supersticiosos moradores do bairro onde foi instalado por último.
Outrossim, as obras de arte apostas nas praças nada revelam senão o zelo do administrador em embelezar a cidade e dar-lhe uma identidade cultural, há muito sepultada por administrações ignóbeis e desidiosas com os valores estéticos e arquitetônicos de João Pessoa.
Repito! Cristianismo não é mitologia greco-romana, tampouco arte é religião, e nenhuma das duas se confunde com política. Não façamos do Brasil e da Paraíba um lugar como o Irã, fundamentalista, retrógrado, odiento, preconceituoso e satanista.
Critiquemos os candidatos. Apontemos seus erros políticos, suas ilegalidades, seus descompromissos com o interesse primário e as suas alianças espúrias. O debate é saudável, mas não comporta o misticismo manipulado, a crendice ignorante e a mediocridade intelectual. Digo isto, independentemente de quem seja o beneficiário do meu voto, secreto e personalíssimo.
Por tudo, espero que a tolerância religiosa seja a regra num país multidiversificado como o nosso, e que loucos fundamentalistas permaneçam jungidos aos programas de televisão, não penetrando no Estado que deve primar pelo bem comum e pelo respeito e igualdade entre os homens e mulheres de bem.
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