quarta-feira, 20 de abril de 2011

Perfil das mortes femininas - parte 4

Como tem sido a tônica nos outros dias da semana, postamos abaixo a continuação da série produzida pelos repórteres do jornal Correio Braziliense, sobre violência contra a mulher, dando voz a um clamor que ainda não está devidamente tipificado no Código Penal Brasileiro, cujo efeito está batizado como "femicídio".


Novamente postamos 2 artigos publicados por aquele periódico, o qual cremos merece participar de prêmios de jornalismo, dada a abordagem sui gêneris de um tema que interessa a milhões de vítimas silenciosas que estão sendo marcadas todos os dias, física e psicologicamente, por agressores impunes.


Familiares tentam superar a perda sem reparação e assistência do Estado

Publicação: 20/04/2011 08:00 Atualização:
Filhas de mulher morta em Planaltina de Goiás (GO) em março deste ano: "A mamãe brincava comigo. Mas agora ela está no céu"

Elas começam a morrer antes de o registro de óbito. Sofrem, na maioria das vezes, agressões recorrentes e violência sexual. Os gritos não são ouvidos. E a história dos crimes cometidos contra mulheres não termina com a condenação do réu nem com a missa do 7º dia. A dor do luto mistura-se ao abandono daqueles que ficaram para contar detalhes da tragédia. São filhos, pais, irmãos e companheiros que exigem mais participação no processo penal e reparação dos danos. A reclamação é comum a todos. O direito das vítimas ainda patina no Brasil. A reforma do Código de Processo Penal em tramitação no Congresso Nacional tenta incluir alguns elementos de proteção ao “outro lado do crime” na legislação brasileira. Mas o tema passa distante dos debates. Entre as propostas está a de que os envolvidos no processo sejam comunicados quando o réu for solto.

 Essa seria uma forma de atender parte das reivindicações de familiares das vítimas do femicídio para acompanhar melhor os inquéritos. Como para muitos deles esse tipo de crime é o primeiro contato com a Justiça, há dificuldade em sugerir testemunhas, orientar na busca de provas ou mesmo recorrer de algumas decisões. “O processo fica parado no fórum. São tantas movimentações que a gente não entende e nada tem um resultado prático. Dá um desânimo e vamos levando a vida com essa dor. Minha mãe morreu de tristeza e se sem saber o que aconteceu com a filha mais nova”, lamenta Sueli Oliveira, irmã de Gilmara Oliveira, assassinada em Almirante Tamandaré, no interior do Paraná. A suspeita é de que Gilmara tenha sido morta por uma máfia que envolve políticos, empresários e policiais ligados ao crime organizado.

Não é o sentimento de vingança e de punição que guia essas famílias. Ao contrário. A última pesquisa de Direito das Vítimas feita no Brasil, no ano passado, pelo Ministério da Justiça mostra que, antes de tudo, o que se espera é a proteção estatal, a resolução do conflito e a reparação material e moral, não a clássica pena de prisão. Não há dados sobre a responsabilização do Estado pelos homicídios em que a vítima já tinha pedido ajuda e as medidas, previstas em lei, não foram efetivadas. 

Luciana Silva, por exemplo, tinha registrado ocorrência com as ameaças do companheiro e as autoridades policiais entenderam que ela não precisava de proteção. Ela e a irmã, Fernanda, foram assassinadas dentro de casa pelos ex-maridos. “Juntamos um dinheiro e pagamos uma psicóloga para as meninas. Não sabíamos como conversar sobre o assunto com elas. A mais nova, por exemplo, é muito calada. Não sei se é jeito ou se ficou o trauma”, afirma Onofra Silva, mãe das vítimas. 

As duas filhas deixaram quatro netas que vivem com os avós. Elas não visitam os pais, presos em penitenciárias de Goiás, mas criam expectativas de como seria o reencontro. “Não tenho raiva. Acho que nem gostaria de falar com ele sobre o assunto, mas seria bom vê-lo. Era um pai muito bom”, diz Francielly, 13 anos. 

Repetição de crimes
Quando não têm idade suficiente para cobrar direitos, os filhos pequenos de mulheres assassinadas são jogados à própria sorte. Podem ficar com um parente próximo, como avós e tios, ou serem levados para abrigos. A espera pela adoção torna-se uma realidade para muitos desses meninos, que, segundo o delegado Marcos Antonio dos Santos, que atua no interior do Ceará, correm o risco de entrar num ciclo vicioso de violência. “É comum que meninos que assistiram à mãe sendo morta repitam atos de violência contra a mulher. E meninas aceitem caladas essas agressões. É preciso um trabalho efetivo de conscientização e de assistência psicológica.”

As irmãs Marcela*, 5 anos, e Viviana*, 2, desconhecem toda a violência por trás da ausência da mãe, Ana Lúcia Silva, 26 anos. A jovem moradora de Planaltina de Goiás (GO) foi encontrada, no último dia 5 de março, com a cabeça cortada, a boca cheia de cocaína e uma garrafa no órgão genital. Foi socorrida por policiais militares, mas, cinco dias depois, morreu. “A mamãe brincava comigo. Mas agora ela está no céu”, disse a mais velha ao ouvir o nome de Ana na conversa. 

O filho mais velho de Ana, João*, 6 anos, morreu atropelado um mês após a mãe. A polícia não acredita que as mortes estejam relacionadas, mas investiga essa hipótese. “Desconfio de quem fez isso com ela, mas prefiro esquecer, deixar passar. Vou continuar trabalhando e cuidado das minhas meninas para que nada de mal aconteça a elas”, diz Filipe Barbosa, 40 anos, lembrando, logo em seguida, da difícil tarefa de colocar as meninas para dormir. “É nessa hora que elas perguntam pela mãe e choram.” 


Abaixo, outra matéria, contendo relato, conforme narrado por vítima da violência contra a mulher:



"Não posso dizer meu nome. É perigoso. Só não quero que ele me ache"

Publicação: 20/04/2011 08:00 Atualização:
 “Não posso dizer meu nome. É perigoso. Não tenho mágoas. Só não quero que ele me ache. Já fui Clarissa, Maria, Teresa… Também me identificavam por DF/02 no Programa Nacional de Proteção à Testemunha. Hoje ? Ainda não sei bem quem sou. A minha história divide-se em fases. Começou quando ainda vivíamos todos juntos: eu, ele (o companheiro de mais três anos) e meu filho (fruto de outro casamento). Foram várias agressões e ameaças. Tudo virava um problema dentro de casa. Fiz quatro boletins de ocorrência e nenhuma providência foi tomada. Descobri que estava grávida e a notícia, que era para ser boa, virou um pesadelo. Ele repetia de manhã, de tarde e de noite que iria me matar. Suportei até a hora em que a minha filha nasceu. Sai de casa fugida. Passei alguns meses na casa da minha mãe em outro estado e, depois do período de amamentação, voltei para buscar nossas coisas. Quando ele (o marido) me viu, parecia alegre e fez planos para a noite. Saímos para encontrar alguns amigos e, logo que chegamos ao lugar marcado, ele arrastou uma cadeira para que eu pudesse me sentar. Uma pedrada na cabeça veio em segundos. Fiquei um pouco tonta, mas vi quando ele molhou meu corpo com gasolina. Fez questão de jogar uma quantidade ainda maior no meu cabelo, que era bem longo. Só ouvi o barulho do isqueiro. Fiquei calma, entreguei meu espírito. Quando as chamas tomaram conta do meu corpo, ele se afastou e consegui correr. Rolei na grama. Uma pessoa que estava passando pela rua viu a cena e chamou o Corpo de Bombeiros. Tive mais de 40% do corpo completamente queimado, perdi parte da mão direita tentando abafar o fogo. Passei dias e dias internada. Em seguida, entrei no programa de proteção (à testemunha). Mudei com meus filhos para bem longe. Não foi fácil acostumar com a nova rotina nem com o novo rosto no espelho. Aos poucos, ele descobriu meu paradeiro. Conseguia informações ameaçando amigos e familiares. Foi chegando cada vez mais perto. Entrei em pânico. Não conseguia levar meus filhos para a escola ou mesmo fazer um supermercado. Mudei mais uma vez. É preciso coragem para reconstruir uma vida. Tem horas que é mais fácil desistir. Agora, estou presa em um abrigo, enquanto ele, condenado a 14 anos de prisão, está no regime semiaberto. Mandou recados dizendo que vai terminar o que começou. Tenho medo, mas também não quero viver para sempre uma vida institucionalizada. Foram duas passagens por abrigos, duas vezes no programa de testemunha em dois estados diferentes. Não quero comodidade. Quero poder trabalhar, levar meus filhos para passear num domingo à tarde. O juiz decretou que ele não pode chegar a 300 metros de mim e dos meus filhos, mas quem vai monitorar os passos deles? O Estado já falhou tantas vezes comigo, por que devo acreditar que desta vez vai dar certo?”

Relato de uma mulher de 37 anos que vive em um abrigo para mulheres vítimas de violência

Fonte: Correio Braziliense

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